Terminou – texto de Florbela Mascarenhas

A sala está vazia 

Os colegas contratados voltam a arrumar tudo mais uma vez, em caixotes de papelão que amavelmente as senhoras assistentes disponibilizaram ou que trouxeram do lidl mais próximo. As colegas do QE vagueiam calmamente pelos corredores, negociando entre si a mudança da sala de aula para o piso de cima ou até para a sala ao lado… Há nostalgia no ar, as palavras saem baixinho, os olhares são fugidios. Criaram-se laços com os colegas residentes,há tantas memórias que nos embargam a voz. Gargalhadas, discussões também, partilha, confidências. Aprendemos a reconhecer os passos de cada um, aprendemos a ler no olhar, aquilo que não queriam dizer, apaziguámos tristezas em momentos que bastava a presença segura sem serem necessárias palavras, rasgámos o sorriso em outros tantos em que nos sentimos cúmplices. Histórias em comum ou nem tanto mas sempre parte de nós que se entrelaçou e se mesclou com tantas outras histórias, receios, angústias…

Mais um ano… mais um ano que passou por cada um de nós, Professores, mas nem por isso a estabilidade é maior, mas nem por isso a incerteza deixou de pairar em nós, a dúvida e as constantes questões que perduram e que mantém indefinidamente a ausência de respostas. O concurso dividido em várias fases, com a nova colocação, a avaliação docente com prazos apertados, a flexibilização curricular, a recuperação do tempo de serviço que ficou pelo caminho, o amianto nas escolas que se mantém irresponsavelmente sem um fim à vista, os programas desajustados e extensissimos, a falta de apoio educativo, a retoma dos manuais escolares, tantas e tantas incertezas. Políticas educativas irresponsáveis e desconhecedoras da realidade existente, que nos mantém no limbo de um sistema inexistente e à deriva.

Sento-me na minha cadeira. Poiso os cotovelos na secretária que foi minha, fiel depositária de tantas horas de trabalho, relatórios, gráficos,testes, fichas, trabalhos, cadernos e manuais, planos de aula, atas de infinitas reuniões…

passo os olhos por cada uma das secretarias, por cada cadeira, imagino-os ali, oiço a algazarra da entrada, vislumbro os olhitos semicerrados pela descoberta de algo novo, sinto o pulsar de cada respiração, de cada bocejo principalmente após o intervalo do almoço em que os corpitos frágeis se encontram já cansados, exaustos da brincadeira, da correria, do riso feliz e das zangas com a melhor amiga que decidiu não brincar mais consigo ou do colega que preferiu outro na equipa de futebol no campo. 

Fecho os olhos, e sinto o abraço pela manhã, o beijo repenicado na bochecha, a flor na mão pequenina, o bilhetinho na minha secretária, os bracitos em redor da minha cintura.

Relembro cada conquista, cada receio de não ser capaz, cada joelho esfolado, cada esgar com o peixe, no arroz que detestam. 

E sinto, olhando para a sala vazia, que cada alma que por mim passou, que comigo se cruzou, perpetuou em mim  algo de si, indelével mas inesquecível, tornando-me um ser humano melhor, capaz de ver através de olhos que não os meus, capaz de sentir o que passa despercebido, uma acuidade imensa, uma dádiva incomensuravelmente valiosa. 

Levanto-me e contorno as secretárias. Paro diante do placar dos trabalhos expostos. Retiro delicadamente cada um dos desenhos, relembro cada pincelada, cada traço, sorrio ao ler os nomes escritos em letras estranhamente grandes e redondas. Ainda há pouco o copiavam pela tirita de papel plastificado que lhes ofereci com o nome e a data de nascimento.

Conquistas. Tantas… o que eu daria para os voltar a ter ali. Na azáfama da despedida, no turbilhão do último dia de aulas, talvez nem tudo tenha sido dito, talvez por ter evitado a despedida, fingindo que seria apenas um até já e não um até sempre…

Contudo, sinto também que para cada um deles, não foi de facto uma despedida porque me levaram na sua memória, em cada um deles…Não me esquecerão, tenho a certeza, e certeza tenho também de que nada aconteceu por acaso, e certamente nos encontraremos por aí em qualquer curva da vida.

Até já meninos…

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Revolução Digital Na Educação?

O Meu Quintal

Quando se começa (Prós e Contras) por apresentar uma (uma) sala digital do futuro que foi criada há 4 anos, penso que entramos logo por um paradoxo. Mas o problema não é esse, embora muita gente confunda o “futuro” com uma crença sua particular numa dada forma de usar a tecnologia. Não tenho muita paciência para ouvir um director a falar na “escola do século XIX”, e nos males da “aula expositiva”, muito preocupado em mostrar-se modernaço, como se em alguma escola do país existissem condições para a maior parte das salas terem um equipamento capaz de uma aula de finais do século XX. Há gente que vive realmente no mundo da Lua e considera que 2 ou 3 salas “tecnológicas” são o “futuro”, quando há 20 com cadeiras e janelas todas rebentadas e sem quaisquer condições de luminosidade para usar quadros interactivos colocados num canto da sala…

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