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Falar de educação
A telefonia é uma voz dentro de cada cabeça. E no outro dia (8 julho de 2019), num discurso com cheiro a urna – não daquelas com serventia para depositar corpos inermes, mas das que servem para recolher votos – essa voz entrou nas nossas cabeças e tentou fazer ligação direta ao coração. A voz do primeiro-ministro, munida de um exército de palavras perfumadas de sorrisos encantadores, asseverava na Rádio Renascença:
“Eu nunca farei chantagem aos portugueses a dizer ‘só governo nesta ou naquela condição’”.
Sons que eram música para os meus ouvidos, não tivesse feito uma paragem pelo cérebro antes de chegar ao coração. E foi aí, nesse sótão poeirento onde se arquivam as memórias, que encontrei um discurso impregnado de naftalina que mantinha intactos momentos inolvidáveis que ainda não se haviam perdido no meio de tantos buracos. A recordação de um comunicado ao país que chegou a casa pelo televisor, essa coisa que deixou o formato de caixa e adotou o de tela, mas manteve a sua função de fazer chegar até nós o melhor e o pior, continuando a ser usado como uma arma por quem mantém a argúcia e empenho para o fazer. Coisa com a qual sou incapaz de competir, visto que me limito a vender espelhos que já ninguém quer comprar.
E assim foi, no pouco longínquo terceiro dia do mês de maio, quando se preparava a sagrada hora da janta, o televisor expelia o infausto discurso do mesmo António Costa que se fazia convidado sem convite, o qual advogava:
“Nestas condições, entendi ser do meu dever de lealdade institucional informar Suas Excelências, o Presidente da República e o Presidente da Assembleia da República, que a aprovação em votação final global desta iniciativa parlamentar [a contabilização total do tempo de serviço dos professores], forçará o governo a apresentar a sua demissão”.
Nesse instante, a cabeça dos portugueses foi assaltada pela palavra «chantagem».
Um dia infeliz em que não houve cidadão dedicado ao ensino que não tivesse de recorrer ao serviço de urgências com uma paragem digestiva, Costa entrara em nossas casas por aquele imenso palco munido de chantagem num discurso onde transparecia um perpassar de culpas para cima dos professores que, num ápice, se transformaram no inimigo do povo.
Sem circunlóquios, vestido da indignação de virgem ofendida, foi direto ao assunto e chantageou o povo com o ultimato «ou estão comigo, ou estão com os professores», virando o país contra nós.
Este é o político que vem agora garantir que jamais faria chantagem aos portugueses.
Mas, em todo caso, eu não tive a originalidade de exibir nada de novo, porquanto não manipulo espelhos, só os vendo. A responsabilidade sobre a qualidade do que neles veem não é minha, pois eles apenas devolvem o reflexo da realidade.
Carlos Santos