No mesmo dia em que violam Lei da República, responsáveis do Ministério da Educação divulgam listas que confirmam menos docentes nas escolas e mais injustiças na Mobilidade Interna

Falar de educação
No mesmo dia em que violam Lei da República, responsáveis do Ministério da Educação divulgam listas que confirmam menos docentes nas escolas e mais injustiças na Mobilidade Interna
Que retrato faz do estado da educação em Portugal?
Pouco animador. Estou seriamente preocupado com o balanço que faço dos seis anos da governação da atual equipa do Ministério da Educação. Identifica-se uma clara rutura com as grandes linhas de política educativa que foram desenvolvidas nas duas décadas anteriores. Independentemente da sucessão de ministros, uns mais à esquerda outros mais à direita, houve continuidade de um conjunto de políticas que permitiram, de forma sustentada, melhorar os indicadores de desempenho dos alunos e do sistema educativo português. Dou-lhe como exemplos a valorização das vias profissionalizantes, o alargamento da escolaridade obrigatória, o reordenamento da rede escolar ou a existência de provas de avaliação externa no final de cada ciclo, entre tantas outras. Foi essa continuidade que permitiu tirar Portugal da cauda dos países da OCDE para o colocar na média, foram essas medidas que permitiram reduzir de forma sustentada o abandono escolar precoce e reduzir as desigualdades educativas. Ora, essa continuidade foi interrompida a partir de 2015. Tentei chamar a atenção para o que se estava a passar enquanto fui presidente do Conselho Nacional de Educação, mas os meus alertas foram entendidos como meras manifestações de oposição ao governo, o que não é verdade. Antevi o que se viria a passar e, passados quase seis anos, não me surpreende o estado a que chegámos.
E que análise faz à gestão da educação em tempo de pandemia?
É reconhecido que o último ano de pandemia teve consequências que irão perdurar por vários anos. Não é algo de passageiro. As sequelas vão sentir-se ao longo desta década. A atual equipa tem uma atenuante: ninguém sabia, para sermos honestos, como lidar de forma eficaz com esta pandemia. É algo para que ninguém estava preparado ou tinha soluções reconhecidas. É natural que durante os primeiros seis meses se tivessem cometido erros. Quem não os cometeria? Mas depois disso, julgo que houve imprevidência, teimosia e algum autismo político. Felizmente, a maior parte das escolas e dos profissionais tiveram um comportamento exemplar. Foram eles que seguraram e evitaram um potencial descalabro do sistema de ensino. Mas quando faltam recursos, não há milagres. O caso dos meios informáticos veio destapar a realidade: durante vários anos não se fez qualquer investimento neste tipo de recursos. Havia escolas que ainda estavam a utilizar equipamentos distribuídos ao abrigo das Salas TIC e do Plano Tecnológico para a Educação. A rede de banda larga estava obsoleta e a sua cobertura era muito deficiente. Como disse, nestas situações não há milagres.
o último ano de pandemia teve consequências que irão perdurar por vários anos. Não é algo de passageiro.
Que impacto pensa que a pandemia deixará no ensino?
Começo por algo que tem sido muito pouco falado. A importância do ensino presencial ficou demonstrada. A ideia utópica de um ensino mediado pela tecnologia, dispensando a escola, a sala de aula e, mais importante, o papel do professor sofreu um forte abalo. A aprendizagem é muito mais do que o acesso e a transmissão de conhecimento: é interação social, é o aprender em conjunto, é interiorizar um conjunto de regras e maneiras de pensar que não está ao alcance das tecnologias. O fundamental é a relação humana e o professor tem um papel decisivo. Mas o principal impacto da pandemia exerceu-se sobre a aprendizagem. Essa é a mais importante ferida que está por sarar e, como disse atrás, vai levar muito tempo a dissipá-la, sendo provável que fiquem algumas cicatrizes. Não esquecer que todos os trajetos educativos assentam na sequencialidade curricular. Se essa sequencialidade é interrompida ou fragilizada os passos subsequentes irão ser afetados.
“A importância do ensino presencial ficou demonstrada. A ideia utópica de um ensino mediado pela tecnologia, dispensando a escola, a sala de aula e, mais importante, o papel do professor sofreu um forte abalo.”
Especialistas alertam para uma grande falta de professores, sendo que alguns grupos de recrutamento já estão com carência de docentes. Como se resolve a questão?
Não temos alternativa: tornar a profissão mais atrativa. Mas isto, como é característico em educação, leva anos. Não há medidas mágicas para que os mais jovens entendam a profissão docente como algo de atrativo e socialmente reconhecido. Até lá temos de gerir melhor os recursos docentes que existem no sistema. A tentação mais perigosa é a de voltarmos a aligeirar os requisitos para se ser professor. Por isso teremos de ser mais exigentes e recompensar essa exigência com maiores benefícios e condições de trabalho para os professores. Percebe agora as consequências de reduzir drasticamente o número de alunos por turma? Se o fizermos, vamos criar mais turmas e depois não temos professores suficientes para as lecionar. Uma boa gestão de recursos humanos em educação pressupõe um planeamento minucioso e a longo prazo. Não se compadece nem com voluntarismos nem com medidas avulsas…
As atuais políticas não são um “clara rutura” com as políticas das décadas anteriores...a gestão dos recursos humanos, o modelo único de gestão escolar, o estrangulamento da carreira docente ou da pressão para produzir sucesso a qualquer preço, continuaram quando o PSD esteve no poder e não tiveram inicio em 2015 como aponta.